domingo, 29 de agosto de 2010

Casimiro de Abreu e o amor na atualidade

Apesar de serem do mesmo período literário, a diferença que existe entre Casimiro de Abreu e Álvares de Azevedo é gritante.
O amor de Álvares de Azevedo é mais sórdido,macabro e místico, enquanto o de Casimiro de Abreu é totalmente doce e musical.A poesia de Álvares é fruto de uma criação instantânea e por isso não respeita muito a métrica, já a de Casimiro é toda dentro dos padrões.
Para Álvares o amor verdadeiro ainda não foi encontrado e no ápice de alguma relação com uma mulher ele prefere dormir ou até mesmo desmaiar.Já em Casimiro de Abreu a mulher é um ser admirado mas o amor é consumado.
Há uma música do Renato Russo cantada pela banda Catedral chamada amor sublime que retrata o amor tendo a mulher com um ser admirado mas palpável.







Amor Sublime

Catedral

Composição: Renato Russo

Lembro de você amor
Toda a vez que eu passo aqui
Noites de luar, manhãs de sol
A iluminar os nossos destinos
Sei que não há mais ninguém
Que possa me preencher
O amor com você,é mais bonito,é todo azul do mar
Vem me fazer feliz oh meu bem...

Com você tudo é diferente
Eu te quero pra sempre oh meu bem
Nosso amor é sublime,é nascente
Eu te quero pra sempre oh meu bem...
O teu nome eu gravei
Dentro do meu coração
Tem uma canção, com o vento
Ter o teu olhar, vejo tudo
Que um dia eu quis ver
Nada é igual a você
Com o seu amor
Tudo é mais simples,é todo azul do mar,
Vem me fazer feliz meu bem...

Gizelle Marques



As várias faces de Álvares de Azevedo e o "mundo" fake

Álvares de Azevedo teve muitas facetas e uma era completamente diferente da outra.Essas faces foram exploradas de modo que fiquem de claro entendimeto em sua obra"Lira dos vinte anos".Fica bem fácil de identificar: a face Ariel é bondosa, tende a lírica, conta com uma poesia romântica e mais emotiva.Mas sua obra foi tomada principalmente por outras duas faces chamadas de Caliban e ironia.

Apesar de ter vivido na época das loucuras cometidas pelos jovens, da vida dividida entre a faculdade e o bar da esquina da faculdade, muitos biógrafos de renome de Álvares de Azevedo afirmam que ele queria mas, não participava ativamente dessa realidade de ir a cemitérios e virar noites e noites nos bares.Sua inspiração e visão vinham basicamente dos relatos e das imagens que sua imaginação produzia.Na minha conceção, Álvares era um homem totalmente frustrado com a sua realidade então, idealizava tudo o que achava belo, em suas poesias.

Na nossa realidade isso acontece de uma forma um pouco diferente mas, na verdade,a essência continua a mesma, só mudaram os recursos.O exemplo mais claro disso são os fakes .Desde 2006 , quando eles foram praticamente descobertos, vêm aumentando de forma exponencial.

O que é o fake?A palavra fake significa falso em inglês, o termo é usado basicamente para denominar contas na internet que não são verdadeiras.A finalidade é dar informações sem se identificar.

Alguns jovens se dedicam tanto à vida fake que acabam colocando a vida real em segundo plano.E isso é muito fácil de acontecer pois a sua vida fake foi pensada e idealizada por você em cada detalhe.Sendo assim, ela tende a se tornar muito mais atraente do que a vida real que pode ser cheia de decepções e espinhos.

O fake acaba se tornando um lugar para onde a pessoa canaliza tudo o que está reprimido dentro dela.As vezes no fake, ela é o que é verdadeiramente porque lá elas podem se soltar de verdade sem preocupações , sem medo de se expor ao ridículo e não precisam prestar atenção no que falam para manter as aparências pois ali as imposições sócio-culturais não importam.
Isso pode ser claramente comparado com a poesia de Álvares que usava essas faces quase que para nos confundir e fazer com que tivéssemos dúvidas sobre qual é a sua verdadeira face.Assim, ele se mostrava mas, se escondia ao mesmo tempo.Isso acontece no fake: as pessoas mostram seu verdadeiro interior ( ou seu interior idealizado) sem mostrar a sua casca.





Breakaway

Grew up in a small town
And when the rain would fall down
I'd just stare out my window
Dreaming of what could be
And if I'd end up happy
I would pray
Trying hard to reach out
But when I tried to speak out
Felt like no one could hear me
Wanted to belong here
But something felt so wrong here
So I'd pray
I could breakaway

I'll spread my wings and I'll learn how to fly
I'll do what it takes till I touch the sky
Make a wish, take a chance, make a change and breakaway
Out of the darkness and into the sun
But I won't forget all the ones that I love
I'll take a risk, take a chance, make a change and breakaway

Wanna feel the warm breeze
Sleep under a palm tree
Feel the rush of the ocean
Get onboard a fast train
Travel on a jetplane
Far away
And breakaway

I'll spread my wings and I'll learn how to fly
I'll do what it takes till I touch the sky
Make a wish, take a chance, make a change, and breakaway
Out of the darkness and into the sun
But I won't forget all the ones that I love
I gotta take a risk, take a chance, make a change and breakaway

Buildings with a hundred floors
Swinging with revolving doors
Maybe I don't know where they'll take me but
Gotta keep movin on, movin on
Fly away, breakaway

I'll spread my wings and I'll learn how to fly
Though it's not easy to tell you goodbye
I gotta take a risk, take a chance, make a change and breakaway
Out of the darkness and into the sun
But I won't forget the place I come from
I gotta take a risk, take a chance, make a change and breakaway
Breakaway
Breakaway


Libertar

Cresci numa cidade pequena

E quando a chuva caia

Eu ficava na minha janela

Sonhando com o que poderia ser

E se eu terminasse feliz

Eu rezaria.

Tentando ao máximo alcançar

Mas quando eu tentava falar,

Sentia como se ninguém pudesse me ouvir

Queria fazer parte daqui

Mas algo parecia tão errado aqui

Então eu rezava

Eu me libertaria

Eu abrirei minhas asas e eu aprenderei como voar.

Eu farei qualquer coisa para tocar o céu,

Faça um desejo, aproveite a chance,faça uma mudança, e jogue tudo pro alto.

Fora da escuridão em direção ao sol.

Mas eu não esquecerei todos os que eu amo.

Vou correr o risco, ter uma chance, fazer uma mudança,e me libertar

Quero sentir a brisa quente

Dormir debaixo de uma palmeira

Sentir o agito do oceano

Embarcar num trem veloz

Viajar num avião a jato

Para bem longe

E me libertar

Eu abrirei minhas asas e eu aprenderei como voar

Eu farei qualquer coisa para tocar o céu

Faça um desejo, aproveite a chance,faça uma mudança, e jogue tudo pro alto.

Fora da escuridão em direção ao sol.

Mas eu não esquecerei todos os que eu amo.

Tenho que correr o risco, ter uma chance, fazer uma mudança, e me libertar.

Prédios com centenas de andares

Rodando em portas giratórias.

Talvez eu não saiba onde elas me levarão mas

Tenho que continuar, continuar

Voar para longe, me libertar...

Eu abrirei minhas asas e eu aprenderei como voar

Embora não é fácil te dizer adeus .

Tenho que correr o risco, ter uma chance, fazer uma mudança, e me libertar.

Fora da escuridão em direção ao sol.

Mas eu não esquecerei do lugar que eu vim

Tenho que correr o risco, ter uma chance, fazer uma mudança, e me libertar.

Me libertar

Me libertar


Eu acredito que a música Breakway de Kelly Clarkson tem muito a ver com essa vontade de se mostrar de verdade mas por causa das imposições sociais não poder fazer o que realmente deseja.Isso é o que acontece no fake ,as pessoas se libertam dos seus tormento pessoais e conseguem mostrar seu verdadeiro interior.

"Cresci numa cidade pequena

E quando a chuva caia

Eu ficava na minha janela

Sonhando com o que poderia ser"

Todo mundo que mora em uma cidade pequena sabe que é tudo um jogo para manter as aparências mas na verdade o que se tem é uma vida de fachada.É muito difícil ser o que se é de verdade e ser aceito em uma pequena cidade porque o preconceito sempre vai falar mais alto e uma enorme barreira vai ser criada entre você e o resto da sociedade.As pessoas vão olhar para você como se fosse um estranho que estraga a imagem da cidade.Não são aceitas outras tribos a não ser a tribo da elite da cidade.Não ouse tentar mudar essa realidade.Então o que fazer? Um fake para se libertar verdadeiramente.

"Tentando ao máximo alcançar

Mas quando eu tentava falar,

Sentia como se ninguém pudesse me ouvir

Queria fazer parte daqui

Mas algo parecia tão errado aqui"

Gizelle Marques


sábado, 28 de agosto de 2010

Segredos

Eu tenho uns amores__ quem é que não tinha
Nos tempos antigos?__ amar não faz mal;
As almas que sentem paixão como a minha,
Que digam, que falem em regra gera!

__A flor dos meus sonhos é moça bonita
Qual flor entre aberta no dia ao raiar;
Mas onde ela mora, que casa ela habita,
Não quero não posso, não devo contar!

Oh! ontem no baile com ela valsando
Senti as delícias dos anjos do céu!
Na dança, ligeira qual silfo voando
Caiu-lhe do rosto seu cândido véu!

__Que noite e que baile! __Seu hálito virgem
Queimava-me as faces no louco valsar
As falas sentidas, que os olhos falavam,
Não quero, não posso, não devo contar!

Depois indolente firmou-se em meu braço
Fugindo das salas, do mundo talvaz!
Inda era mais bela rendida ao cansaço,
Morrendo de amores em tal languidez!

__Que noite e que festa! e que lângido rosto
Banhando ao reflexo do branco luar!
A neve do colo e as ondas dos seios
Não quero não posso não devo contar

__ Agora eu vos juro... Palavas!!__ não minto!
Ouvi a formosa também suspirar;
Os doces suspiros, que os ecos ouviram
Não quero, não posso, não devo contar!

Então nesse instante nas águas do rio
Passava uma barca e um bom remador
Cantava na flauta__"Nas noites d'estio
O céu tem estrelas e o mar tem amor !"

E a voz maviosa do bom gondoleiro
Repete cantando__ "viver é amar!"
Se os peitos respondem a voz do barqueiro...
Não quero, não posso, não devo contar!

Tremendo de medo... a boca emudece
Mas sentem os pulos do meu coração!
Seu seio nevado de amor se intumesce
E os lábios se tocam no ardor da paixão!

__ Depois mas vejo que vós, meus senhores,
Com fina málicia quereis me enganar;
Aqui faço ponto;__ segredos de amores
Não quero, não posso, não devo contar!
Casimiro de Abreu
______________________________________________________________

Agora vamos fazer uma pequenaa ánalise do poema, mais antes falaremos de algumas características de Casimiro de Abreu!

Em suas poesias Casimiro de Abreu emprega uma linguagem simples, terna, cativante e de leitura facil. O amor é sempre impossivel, delicado, plâtonico e idealizado, entrando em atrito com a pureza, a paixão é contida e tem receio de se entregar a mulher amada.
Suas obras álias, é quase toda tomada pelo mentoso conflito entre o desejo e o medo, a realidade pertubada e a pureza da infância, da natureza e dos sonhos, gerando a tristeza, a melancolia e o despressivo desejo de morte.

Seus versos nunca chegaram a ter a riqueza de imagem que encontramos nos poemas de Gonçalves Dias e Castro Alves. Tão pouco se aproxima dos versos mais irrônicos e satânicos. Mas não são menos ingênuos de Alvares de Azevedo.

Os Ultrarromanticos, temiam a realização amaorosa. Por isso, o ideal feminino é normalmente associado a figuras incorpóreas ou assexuadas, como anjo, criança virgem, etc... e as referências ao amor físico apenas de modo indireto, sugestivo ou superficial.

Agora voltemos ao poema!!

No poema segredos o autor usa das suas principais características, que é a forte musicalidade e a sensualidade.
Nas primeiras estrofes, há a descrição da mulher amada "idealizada".
"A flor dos meus sonhos";
Em seguida vemos uma coisa que não pode ser esquecido no baile.
"Caiu-lhe do rosto seu cândido véu!"
Cândido= Imaculado, puro.
-Antigamente as mulheres usavam véu, para representar a pureza.
Vimos então que essa pureza cai no instante do baile.
Com o decorrer do poema. Ela foge com ele.
"Fugindo das salas do mundo talvez"!
E um detalhe muito importante;
"Morrendo de amores em tal languidez"! (( Eles se amavam))
Laguidez= desanimo.
Nas ultimas estrofes vemos, Que passava uma barca e um bom remador cantando " viver é amar"
Detalhe: " Se os peitos respondem à voz do barqueiro..."
" Tremendo de medo a boca emudece"
" E os labios se tocam no ardor da paixão"!
Alguma dúvida do que esta acontecendo??
Para mim nesse instante eles estão se amando.

Mas na ultima estrofe o autor deixa bem claro:

__ Depois.... mas já vejo que vós, meus senhores,
Com fina málicia quereis me enganar;
Aqui faço ponto;__ segredos de amores
Não quero, não´posso, não devo contar!

Ele deixa dúvida, será que aconteceu??
Não quero, não posso não devo contar!
Nada mais é que um SEGREDO!!

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Lira dos vinte anos

Lira dos 20 anos

Alvares de Azevedo

A lira dos vinte anos foi considerada a principal obra do Alvares de Azevedo.Ela é uma coletânea de seus poemas.A obra , como a maioria das obras dele , é de publicação póstuma então a organização foi feita e refeita várias vezes por não se ter certeza de como é que ela seria de acordo com a cabeça do autor.A versão mais completa que é a que temos hoje foi organizada por Homero Pires.Ela contém um prefácio geral, uma dedicatória, a primeira parte que é composta por 33 poemas, a segunda parte com seu próprio prefácio e mais 19 poemas.A terceira parte é uma extensão da primeira.A divisão da lira dos 20 anos mostra a evolução poética de Álvares pois, na primeira parte, e consequentemente na terceira ele trata do amor e da vida com uma visão adolescente.E na segunda ele trata da vida com uma visão mais pessimista e mais adulta .

A primeira e a terceira parte são conhecidas como a face Ariel .Conta com uma poesia mais sentimental que é dócil e tende para a lírica, mas mesmo que seja de uma forma leve tratam sobre a morte, o medo de amar e também da mulher como ser superior e inalcançável.No prefácio ele explica do que trata essa primeira parte ele diz:

“São os primeiros cantos de um pobre poeta.É uma lira mas, sem cordas; uma primavera mas, sem flores;uma coroa de folhas mas, sem viço

Há uma música do Legião Urbana que se chama amor platônico e ela representa bem o que era a mulher nessa primeira parte da poesia de Álvares de Azevedo.

Amor platônico

Eu sou apenas alguém
Ou até mesmo ninguém
Talvez alguém invisível
Que a admira a distância
Sem a menor esperança
De um dia tornar-me visível
E você?
Você é o motivo
Do meu amanhecer
E a minha angústia
Ao anoitecer
Você é o brinquedo caro
E eu a criança pobre
O menino solitário que quer ter o que não pode
Dono de um amor sublime
Mas culpado por querê-la
Como quem a olha na vitrine
Mas jamais poderá tê-la
Eu sei de todas as suas tristezas
E alegrias
Mas você nada sabes
Nem da minha fraqueza
Nem da minha covardia
Nem sequer que eu existo
E como um filme banal
Entre o figurante e a atriz principal
Meu papel era irrelevante
Para contracenar
No final

O poema "Anjinho" representa muito bem essa face Ariel de Alvares

Não chorem... que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

Pobre criança! Dormia:
A beleza reluzia
No carmim da face dela!
Tinha uns olhos que choravam,
Tinha uns risos que encantavam!...
Ai meu Deus! era tão bela.

Um anjo d'asas azuis,
Todo vestido de luz,
Sussurrou-lhe num segredo
Os mistérios doutra vida!
E a criança adormecida
Sorria de se ir tão cedo!

Tão cedo! que ainda o mundo
O lábio visguento, imundo,
Lhe não passara na roupa!
Que só o vento do céu
Batia do barco seu
As velas d'ouro da poupa!

Tão cedo! que o vestuário
Levou do anjo solitário
Que velava seu dormir!

Que lhe beijava risonho
E essa florzinha no sonho
Toda orvalhava no abrir!

Não chorem! lembro-me ainda
Como a criança era linda
No fresco da facezinha!
Com seus lábios azulados,
Com os seus olhos vidrados
Como de morta andorinha!

Pobrezinho! o que sofreu!
Como convulso tremeu
Na febre dessa agonia!
Nem gemia o anjo lindo,
Só os olhos expandindo
Olhar alguém parecia!

Era um canto de esperança
Que embalava essa criança?
Alguma estrela perdida,
Do céu c'roada donzela...
Toda a chorar-se por ela
Que a chamava doutra vida?

Não chorem... que não morreu!
Que era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

Era uma alma que dormia
Da noite na ventania
E que uma fada acordou!
Era uma flor de palmeira
Na sua manhã primeira
Que um céu d'inverno murchou!

Não chorem! abandonada
Pela rosa perfumada,
Tendo no lábio um sorriso,
Ela se foi mergulhar
- Como pérola no mar -
Nos sonhos do paraíso!

Não chorem! chora o jardim
Quando marchado o jasmim
Sobre o seio lhe pendeu?
E pranteia a noite bela

Pelo astro ou a donzela
Mortos na terra ou no céu?

Choram as flores no afã
Quando a ave da manhã
Estremece, cai, esfria?
Chora a onda quando vê
A boiar um irerê
Morta ao sol do meio-dia?

Não chorem!... que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

A segunda parte conta com a face Caliban e irônica de Álvares.O leitor é alertado dessa mudança logo no prefácio da segunda parte quando o autor diz que é necessário cuidado ao virar essa página pois ao sair de Ariel, praticamente esbarramos em Caliban.O amor não é deixado de lado mas é representado de uma forma mais sombria e mística mas a principal temática dessa etapa são os fatos corriqueiros regados de sarcasmo e ironia.Glória Moribunda faz parte dessa segunda etapa de produção literária de Alvares.


Glória Moribunda

I

É uma visão medonha uma caveira?
Não tremas de pavor, ergue-a do lodo.
Foi a cabeça ardente de um poeta,
Outrora à sombra dos cabelos loiros,
Quando o reflexo do viver fogoso
Ali dentro animava o pensamento,
Esta fronte era bela. Aqui nas faces
Formosa palidez cobria o rosto...
Nessas órbitas-ocas, denegridas! -
Como era puro seu olhar sombrio!

Agora tudo é cinza. Resta apenas
A caveira que a alma em si guardava,
Como a concha no mar encerra a pérola,
Como a caçoula a mirra incandescente.

Tu outrora talvez desses-lhe um beijo;
Por que repugnas levantá-la agora?
Olha-a comigo! Que espaçosa fronte!
Quanta vida ali dentro fermentava,
Como a seiva nos ramos do arvoredo!
E a sede em fogo das idéias vivas
Onde está? onde foi? Essa alma errante
Que um dia no viver passou cantando,
Como canta na treva um vagabundo,
Perdeu-se acaso no sombrio vento,
Como noturna lâmpada, apagou-se?
E a centelha da vida, o eletrismo
Que as fibras tremulantes agitava
Morreu para animar futuras vidas?

Sorris? eu sou um louco. As utopias,
Os sonhos da ciência nada valem,
A vida é um escárnio sem sentido,
Comédia infame que ensangüenta o lodo.
Há talvez um segredo que ela esconde
Mas esse a morte o sabe e o não revela,
Os túmulos são mudos como o vácuo.
Desde a primeira dor sobre um cadáver,
Quando a primeira mãe entre soluços
Do filho morto os membros apertava
Ao ofegante seio, o peito humano
Caiu tremendo interrogando o túmulo
E a terra sepulcral não respondia.

Levanta-me do chão essa caveira!
Vou cantar-te uma página da vida
De uma alma que penou, e já descansa.

A terceira parte retoma o que foi a primeira tratando de forma mais doce os fatos que viravam poesia.O poema "Lembrança de morrer nos mostra como,mesmo que de uma forma delicada, trata da morte.


Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto o poento caminheiro...
Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro...

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia,
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade — e dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
E de ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minhas tristezas te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos, — bem poucos! e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei!... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Ó tu, que à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se vivi... foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu! eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz! e escrevam nela:
— Foi poeta, sonhou e amou na vida. —

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minh’alma cantou e amava tanto,
Protejei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando, à meia-noite, o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri as ramas...
Deixai a lua pratear-me a lousa!

Gizelle Marques

ATRITO

Estamos estudando o período do ultrarromantismo brasileiro tendo com principais autores Alvares de Azevedo e Casimiro de Abreu.Por isso, Mariem e Israel criaram um poema que retratasse a disputa de uma mesma mulher por Álvares e Casimiro retratando um pouco da personalidade de Ambos.


Atrito

Quão formosa e bela és ó minha amada
Da doce e lânguida face pálida
Com tuas esguias maçãs rosadas
Com este teu longo cabelo negro
Que cai em suas curvas à luz do luar

Sua pele gélida -mas- serena
Quanto a névoa que sombriamente cobre
Essas frias lápides taciturnas
E seu olhar tão profundo e inebriante
Como taças de vinho transbordantes
Que me falecem no doce e vão sonhar

Não somente em sonho minha querida
Sua beleza deve-se contemplar
Ao calor que sua alva pele esconde
A maciez dos seios ao tocar


A névoa de tão fúnebre ambiente
Nada mais é do que um impuro vapor
Do movimento noturno da brisa
Crepitante que envolve o nosso amor

Não quero, não posso, não devo "tocar"
A virgem sagrada pura e sem par
Tão distante, longe de minhas mãos
Tremulantes e agora umedecidas
Que a terra um dia há de devorar

Oh! Seria mais fácil crua morte
De se superar do que essas simplórias
Mas doces palavras e confissões
Que de mi boca ninguém há de ouvir

Para que destilas tamanho amor
Se coragem lhe falta ao transmiti-lo
Ouse o toque, arrisque o beijo
Aqueça su'alma com tanto calor


Sutileza, discrição
Não lhe assustes com essa reação
Por mais tentadora a sua beleza
Deus -sábio- não forneceu asas à cobra
Não dê asas ao teu pobre coração

Devido a encantadora perfeição
Nenhum de nós, meu amigo pagão
Merece tanta doçura de um anjo...
Que se tenha o ópio como amado algoz
E liberte-nos da débil paixão
Deste meu triste fim da dor artroz


Gizelle Marques
Israel Eller
Mariem Faria