sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Lira dos vinte anos

Lira dos 20 anos

Alvares de Azevedo

A lira dos vinte anos foi considerada a principal obra do Alvares de Azevedo.Ela é uma coletânea de seus poemas.A obra , como a maioria das obras dele , é de publicação póstuma então a organização foi feita e refeita várias vezes por não se ter certeza de como é que ela seria de acordo com a cabeça do autor.A versão mais completa que é a que temos hoje foi organizada por Homero Pires.Ela contém um prefácio geral, uma dedicatória, a primeira parte que é composta por 33 poemas, a segunda parte com seu próprio prefácio e mais 19 poemas.A terceira parte é uma extensão da primeira.A divisão da lira dos 20 anos mostra a evolução poética de Álvares pois, na primeira parte, e consequentemente na terceira ele trata do amor e da vida com uma visão adolescente.E na segunda ele trata da vida com uma visão mais pessimista e mais adulta .

A primeira e a terceira parte são conhecidas como a face Ariel .Conta com uma poesia mais sentimental que é dócil e tende para a lírica, mas mesmo que seja de uma forma leve tratam sobre a morte, o medo de amar e também da mulher como ser superior e inalcançável.No prefácio ele explica do que trata essa primeira parte ele diz:

“São os primeiros cantos de um pobre poeta.É uma lira mas, sem cordas; uma primavera mas, sem flores;uma coroa de folhas mas, sem viço

Há uma música do Legião Urbana que se chama amor platônico e ela representa bem o que era a mulher nessa primeira parte da poesia de Álvares de Azevedo.

Amor platônico

Eu sou apenas alguém
Ou até mesmo ninguém
Talvez alguém invisível
Que a admira a distância
Sem a menor esperança
De um dia tornar-me visível
E você?
Você é o motivo
Do meu amanhecer
E a minha angústia
Ao anoitecer
Você é o brinquedo caro
E eu a criança pobre
O menino solitário que quer ter o que não pode
Dono de um amor sublime
Mas culpado por querê-la
Como quem a olha na vitrine
Mas jamais poderá tê-la
Eu sei de todas as suas tristezas
E alegrias
Mas você nada sabes
Nem da minha fraqueza
Nem da minha covardia
Nem sequer que eu existo
E como um filme banal
Entre o figurante e a atriz principal
Meu papel era irrelevante
Para contracenar
No final

O poema "Anjinho" representa muito bem essa face Ariel de Alvares

Não chorem... que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

Pobre criança! Dormia:
A beleza reluzia
No carmim da face dela!
Tinha uns olhos que choravam,
Tinha uns risos que encantavam!...
Ai meu Deus! era tão bela.

Um anjo d'asas azuis,
Todo vestido de luz,
Sussurrou-lhe num segredo
Os mistérios doutra vida!
E a criança adormecida
Sorria de se ir tão cedo!

Tão cedo! que ainda o mundo
O lábio visguento, imundo,
Lhe não passara na roupa!
Que só o vento do céu
Batia do barco seu
As velas d'ouro da poupa!

Tão cedo! que o vestuário
Levou do anjo solitário
Que velava seu dormir!

Que lhe beijava risonho
E essa florzinha no sonho
Toda orvalhava no abrir!

Não chorem! lembro-me ainda
Como a criança era linda
No fresco da facezinha!
Com seus lábios azulados,
Com os seus olhos vidrados
Como de morta andorinha!

Pobrezinho! o que sofreu!
Como convulso tremeu
Na febre dessa agonia!
Nem gemia o anjo lindo,
Só os olhos expandindo
Olhar alguém parecia!

Era um canto de esperança
Que embalava essa criança?
Alguma estrela perdida,
Do céu c'roada donzela...
Toda a chorar-se por ela
Que a chamava doutra vida?

Não chorem... que não morreu!
Que era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

Era uma alma que dormia
Da noite na ventania
E que uma fada acordou!
Era uma flor de palmeira
Na sua manhã primeira
Que um céu d'inverno murchou!

Não chorem! abandonada
Pela rosa perfumada,
Tendo no lábio um sorriso,
Ela se foi mergulhar
- Como pérola no mar -
Nos sonhos do paraíso!

Não chorem! chora o jardim
Quando marchado o jasmim
Sobre o seio lhe pendeu?
E pranteia a noite bela

Pelo astro ou a donzela
Mortos na terra ou no céu?

Choram as flores no afã
Quando a ave da manhã
Estremece, cai, esfria?
Chora a onda quando vê
A boiar um irerê
Morta ao sol do meio-dia?

Não chorem!... que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

A segunda parte conta com a face Caliban e irônica de Álvares.O leitor é alertado dessa mudança logo no prefácio da segunda parte quando o autor diz que é necessário cuidado ao virar essa página pois ao sair de Ariel, praticamente esbarramos em Caliban.O amor não é deixado de lado mas é representado de uma forma mais sombria e mística mas a principal temática dessa etapa são os fatos corriqueiros regados de sarcasmo e ironia.Glória Moribunda faz parte dessa segunda etapa de produção literária de Alvares.


Glória Moribunda

I

É uma visão medonha uma caveira?
Não tremas de pavor, ergue-a do lodo.
Foi a cabeça ardente de um poeta,
Outrora à sombra dos cabelos loiros,
Quando o reflexo do viver fogoso
Ali dentro animava o pensamento,
Esta fronte era bela. Aqui nas faces
Formosa palidez cobria o rosto...
Nessas órbitas-ocas, denegridas! -
Como era puro seu olhar sombrio!

Agora tudo é cinza. Resta apenas
A caveira que a alma em si guardava,
Como a concha no mar encerra a pérola,
Como a caçoula a mirra incandescente.

Tu outrora talvez desses-lhe um beijo;
Por que repugnas levantá-la agora?
Olha-a comigo! Que espaçosa fronte!
Quanta vida ali dentro fermentava,
Como a seiva nos ramos do arvoredo!
E a sede em fogo das idéias vivas
Onde está? onde foi? Essa alma errante
Que um dia no viver passou cantando,
Como canta na treva um vagabundo,
Perdeu-se acaso no sombrio vento,
Como noturna lâmpada, apagou-se?
E a centelha da vida, o eletrismo
Que as fibras tremulantes agitava
Morreu para animar futuras vidas?

Sorris? eu sou um louco. As utopias,
Os sonhos da ciência nada valem,
A vida é um escárnio sem sentido,
Comédia infame que ensangüenta o lodo.
Há talvez um segredo que ela esconde
Mas esse a morte o sabe e o não revela,
Os túmulos são mudos como o vácuo.
Desde a primeira dor sobre um cadáver,
Quando a primeira mãe entre soluços
Do filho morto os membros apertava
Ao ofegante seio, o peito humano
Caiu tremendo interrogando o túmulo
E a terra sepulcral não respondia.

Levanta-me do chão essa caveira!
Vou cantar-te uma página da vida
De uma alma que penou, e já descansa.

A terceira parte retoma o que foi a primeira tratando de forma mais doce os fatos que viravam poesia.O poema "Lembrança de morrer nos mostra como,mesmo que de uma forma delicada, trata da morte.


Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto o poento caminheiro...
Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro...

Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia,
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade — e dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
E de ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minhas tristezas te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos, — bem poucos! e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei!... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Ó tu, que à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se vivi... foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu! eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz! e escrevam nela:
— Foi poeta, sonhou e amou na vida. —

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minh’alma cantou e amava tanto,
Protejei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando, à meia-noite, o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri as ramas...
Deixai a lua pratear-me a lousa!

Gizelle Marques

Um comentário:

  1. Bem claro eu sempre queria saber como eram as divisões dos poemas Lira dos xx anos valeu!!!

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