terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Os demônios de Casmurro - Estudo psicológico sobre a obra Machadiana



            O livro “Dom Casmurro” (1899), trata-se de um romance realista que é narrado por Bentinho, o “protagonista” da historia. O livro gira em torno de um questionamento, Capitu cometeu ou não adultério? Mas é impossível chegar a alguma conclusão sobre tal. Machado de Assis criou uma trama intrigante onde Dom Casmurro joga a ré em questão contra nós, mas mesmo com todas suas reflexões maldosas no livro não vemos provas suficientes para  incriminar Capitu, sendo inútil criar uma opinião a respeito.
            Vendo a inutilidade de tal veredicto passamos a analisar as personagens sob uma visão técnica e psicológica, principalmente Bentinho e seu ciúme por Capitu. Bentinho apresenta características psicológicas opostas a uma figura masculina, não estou o considerando homossexual, mas frágil, submisso, não viril, sem criatividade etc. Um personagem nulo e castro, que é marcado somente por sua patologia e cinismo. O que alguns chamam de frieza eu identifico como cinismo, como o fato de ele ir ao teatro logo após receber noticias tão trágicas em relação a seus mulher e filho, e ver a peça “Otelo - O Mouro de Veneza” e fazer o seguinte comentário: “Vi as grandes raivas do mouro, por causa de um lenço. - um simples lenço!-“ – Cap 135 pág 179; um simples lenço que fez brotar a semente do ciúme no coração do Mouro assim como o olhar fatídico que fez o mesmo a Casmurro . O drama desse personagem começa com D. Gloria (o verdadeiro monstro da historia), que após perder o primeiro filho apela para a religião, prometendo o destino do próximo filho a igreja.
            Para entender a patologia de Dom Casmurro, precisamos entender o que, ou melhor, quem o tornou assim. Após o nascimento de Bentinho seu pai morre, deixando Gloria viúva. Sem o marido ela passa a cativar o filho e prendê-lo a seu lado como um substituto, temendo ferozmente a futura separação de seu rebento. E sem o pai Bentinho fica sem seu modelo. Freud mesmo defendia sua descoberta de que há uma sexualidade infantil: o psiquismo humano que forma-se a partir dos conflitos que, desde o nascimento, confrontam os instintos sexuais e a realidade. Podemos dizer que, em termos psicanalíticos, nós somos o resultado da história da nossa infância. Marilena Henriques  psicoterapeuta há mais de 25 anos, com especialização em Psicoterapia Breve e linha Psicanalítica também menciona a existência de uma faixa etária na qual a criança passa por um processo de diferenciação sexual (essa etapa apontada por ela entre os 2 aos 4 anos e também dos 6 aos 7) onde a criança observa e copia as atitudes do pai ou da mãe identificando mais as atitudes de um com seu universo; Ezequiel também passa por isso no livro, coisa que irritava bastante sua mãe: “Eu expliquei:- Não; é porque Ezequiel imita os gestos dos outros.” Cap 117 pág 163. Sem tal modelo Bentinho se torna feminilizado, mesmo tendo consciência de ser homem, não sabe como o ser. Como resultado temos o personagem tímido, submisso e castro (sexualmente) que o livro nos mostra. Bento nunca se tornou homem por completo, ele sempre veio a ser dependente da mãe e de suas lembranças infantis, até quando se mudou reconstrói sua casa da forma que era em seus tempos de menino, como mostra a passagem do livro logo no começo: “A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo... há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Mata-cavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra” Cap 2 pág 4. A figura de D. Gloria nos é dada como uma santa bem-aventurada, enaltecida pelo próprio nome. A religiosidade de Bentinho o faz muito mais obediente a sua mãe, tendo ele não opinião própria, mas a opinião que lhe é imposta, como mostra a fala de Bentinho: “Eu gosto do que mamãe quiser.” Cap 21 pág 33.
            O ciúme que Bentinho teve de Escobar, tem a ver com o fato do amigo ser seguramente um homem, viril, forte, decidido. Bento via no amigo a figura a ser seguida, sua relação com o mesmo pode ser classificada como um tipo de homoafetividade (sentimento que o menino deveria sentir com o pai, que nesse caso era ausente). Homoafetividade é uma classificação de Homossexualidade (o termo homossexualismo foi considerado inapropriado já que o sufixo “ismo” qualifica doença) que exclui o afeto e  sexual, privando somente a afetividade de um sujeito com o mesmo sexo. Como se ele fosse sua masculinidade e quando o amigo morre leva com ele tal virtude que Casmurro não a tinha. Bentinho era feminilizado e tinha um vinculo forte ao amigo. A inveja que tinha do mesmo não o permitia vê-lo como um obstáculo a ser ultrapassado, a inveja é uma emoção que leva o indivíduo e a sociedade à transformação do seu potencial. Em função de quê? Do desejo de cada um de se realizar. Como foi dito por Carl Gustav Jung grande nome da psicologia (quem desenvolveu a psicologia analítica, lapidando as observações de Freud), o principal instinto humano é aquele que conduz o processo de individuação, que revela a força vital dentro de nós, que nos impulsiona ao crescimento, ao desejo, à criatividade e às conquistas. A inveja de Bentinho da desenvoltura masculina de Escobar, como pode ser notado no trecho do livro: “Apalpei-lhe os braços... achei-os mais grossos e fortes que os meus, e tive-lhes inveja; acresce que sabiam nadar.” – Cap 118 pág 165, pontua sua relação muito antes do ciúme avolumar-se. Mais inveja tinha Bento de Capitu, pois queria estar no lugar dela permitindo-se ter um olhar tão triste quanto o da viúva ao ver Escobar morto e talvez foi isso o estopim da crise de seu relacionamento conjugal.
            A inveja é um sentimento muito oculto presente no livro, que é capaz de explicar muitas coisas a respeito da mentalidade de Bentinho e sua patologia. O ciúme forma com a inveja um par de emoções. São primos-irmãos, que caminham juntos no funcionamento e no desenvolvimento da personalidade, o que, no caso de Bentinho, se deu de forma anômala como podemos notar pela intervenção materna e demais fatores.
            O ciúme que o personagem tem é com certeza considerado como patológico. Sendo Escobar a representação da virilidade de Bentinho, após sua morte, Bento não pode mais ser homem, e concequentemente, não pode mais sustentar seu relacionamento nem tão pouco ter Ezequiel como filho. Capitu, para Dom Casmurro, passa a ser noiva do cadáver assim como Ezequiel passa a ser seu filho. Bento apresenta em várias partes do livro um ciúme possessivo e exagerado, “Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos.” – Cap 113 pág 157, esse trecho demonstra a insegurança de Bentinho sobre sua própria masculinidade que se deve a todos os fatos mencionados anteriormente, principalmente a falta da figura paterna.
            Para concluir podemos massagear o ego do autor Machado de Assis, sendo um ótimo escritor ele retrata o psicológico não somente individual dos personagens, mas também da sociedade carioca do século XIX. Uma sociedade onde a igreja controlava tudo, com a ameaça do fogo eterno (assim como D. Gloria controlava Bentinho com sua promessa) e uma sociedade que não permitia a demonstração de afeto entre dois homens sem a condenação (razão por que Bentinho tem tanta inveja de Capitu, sendo mulher podendo demonstrar olhar tão piedoso em relação a morte de Escobar). Demonstrando tanta maestria com as palavras, Machado de Assis embute no romance as patologias psicológicas, que são tantas quantas as presentes em um hospício, de uma forma que o leitor nem ao menos venha a percebê-las. Analisando tudo de forma geral podemos perceber que Machado nos armou um círculo que começa e termina com a imaginação
para a possessão materna fragilizadora, a fraqueza, a homoafetividade, o ciúme, a
traição, a depressão e a morte nos caminhos do amor.
             

Bibliografia.

http://www.wikipedia.org/
http://www.consciencia.net/2003/06/07/homoafeto.html
http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/download/Dom_Casmurro.pdf

Um comentário:

  1. Interessantíssimo. Agora sim. Eu corrigiria algumas construções, mas no geral, está impressionante.
    Congratulações.

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